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sexta-feira, 1 de julho de 2011

O que é Fibromialgia - Parte 1

Muito prazer, eu sou Joshua (Josh para íntimos) tenho 30 anos e desde os 17 (eu acho) tenho essa coisa que vos falo aí embaixo, um pouco rara em homens. Mas antes uma pequena e pedante introdução.


A dor é o sistema de alerta do organismo. Ela serve para o corpo chamar a atenção da mente para algo de errado. São como as luzes no painel de um carro. Quando sentimos uma dor na mão, por exemplo, imediatamente iremos parar pra olhar o que há de errado. Por isso a dor é uma sensação desagradável: pra que nossa mente automaticamente procure alguma maneira de fazer a dor cessar. O interessante é que a dor geralmente não é a doença em si. Por exemplo, quando nos queimamos, o problema físico é a degradação que o calor causa nas células. Já a dor é o aviso que as células estão sendo danificadas, é “apenas” uma sensação no cérebro.

Existem pessoas que não sentem dor, é um problema genético que causa muitos transtornos, como morder a língua e os lábios ao ponto de arrancar pedaços. Também existe a situação oposta (ou quase), onde o “botão de volume” da dor está acima do normal: isso acontece na fibromialgia e é o assunto desse blog.

O problema principal da fibromialgia é a amplificação da dor (hiperalgesia), e a alodinia, que é sentir dor quando normalmente não se sente. Isso é no corpo todo, sempre. O problema está na regulagem da dor, e não nos órgãos afetados pela dor, ou seja, é um problema no sistema nervoso central e não nos músculos, pele e tendões (onde a dor se manifesta).



Eu (e muitos) com esse problema demoramos, assim, uns 10 anos pra entender que a dor é “apenas” uma sensação. Sim, está tudo na sua cabeça (da mesma forma que a dor de quem pisou num prego de verdade). Quando se chega na fase de dizer “é só dor, eu não vou morrer disso”, então dá pra simplesmente ignorar, fazer tudo normalmente (com cara bonita), trabalhar, estudar, dirigir. Bem, quase normalmente.

Ignorar a dor e viver tem seus preços. Mesmo você não querendo, os estímulos dolorosos sobrecarregam seu sistema nervoso. É como um computador rodando um programa pesado (Microsoft Dor 6.0) enquanto você tenta ao mesmo tempo rodar o programa Lembrar-Onde-Deixei- as-Chaves 1.0. Falando sério, qualquer pessoa que tem dor crônica vai ganhar esses problemas de brinde: falta de memória e concentração, tonturas, sono defeituoso e depressão. Pois é, você não achou que era só dizer “a dor está só na minha cabeça” e ia sair assim fácil né?

Problemas de memória e concentração. Eu, pessoalmente, já tranquei minha casa com a chave dentro tantas vezes que literalmente aprendi a abrir cadeados (abro até cadeado estrela, basta me dar dois grampos de cabelo, é sério). Sabe a personagem Dori, do filme Procurando Nemo (aquela que esquece tudo)? Já rachei de rir quando ganhei esse apelido. Mas não tão engraçado foi não conseguir me formar ainda (sempre sonhei com carreira acadêmica).

Não é só a dor tradicional que é amplificada. Literalmente qualquer sensação desagradável do organismo também é (talvez tudo seja dor em um sentido mais amplo). Estou falando de: sensibilidade à luz forte, sons altos, frio, intestino e bexiga irritáveis. Vamos dizer que antes de a minha bexiga encher pela metade eu já preciso ir ao banheiro. E vamos dizer que eu literalmente sinto os ácidos gástricos digerindo minha comida. É um dom.

Outro dom interessante é ser um barômetro humano. Temos o privilégio de saber quando o tempo vai mudar, por algum motivo misterioso os sintomas enlouquecem com as mudanças do tempo. Já li uma história de um reumatologista que não via a previsão do tempo quando ia pescar, bastava perguntar aos seus pacientes ou observar se o consultório estava cheio.

Outro fator que piora mesmo os sintomas é o stress. Logo explico: o stress, assim como o frio, causa contração muscular. Todo mundo passa por stress e sabe como fica o pescoço, ombros, nuca depois de um evento estressante (se você não sabe é porque não percebe). Só que o fibromiálgico sente tudo amplificado, então, já viu. O problema é que algumas pessoas confundem sintomas-agravados-pelo-stress com "efeito psicológico".

Não podemos provar que temos esses sintomas, mas pra essas pessas eu digo o seguinte: a dor é o sintoma principal da fibromialgia, e a dor é invisível. Mas praticamente todos os outros sintomas da fibromialgia são consquência das dores, e são observados em outras doenças que causam dor crônica. E esses outros sintomas são mais visíveis que a dor e podem ser considerados uma espécie de "prova" do que estamos sentindo por dentro. Lapsos de memória, falta de concentração, engolir as palavras, febre leve (etc), isso as pessoas percebem. E não, não somatizamos esses sintomas também. O diagnóstico da fibromialgia é quase sempre difícil e tardio, então, quando encontramos uma lista com uma penca sintomas na internet (a lista é grande) já temos a maioria deles, normalmente parece que estamos lendo uma autobiografia. Além do mais hoje já existem exames como a termomotria que corroboram os reclames dos fibromiálgicos e literalmente transformam a dor em imagens.

Bem, pra terminar o básico só falta falar do sono (se tem algum fibromiálgico lendo deve ter sentido falta!). Quando uma pessoa perfeitamente saudável (se é que isso existe) dorme o sono fica se alternando entre sono leve e pesado em ciclos. É no sono pesado que são liberadas substâncias que regeneram o organismo, e é nesta fase também que os músculos têm o maior relaxamento. Já o danado que tem fibromialgia praticamente pula a fase profunda do sono, ou tem muito pouco. Tipo, ele acorda como se tivesse passado a noite dirigindo em rachas de caminhões (e ganhou ainda por cima). Daí passa o dia inteiro com fadiga.

Fibromialgia é mais ou menos isso, se ficar de pé as pernas queimam, senta pra descançar, dói a bunda, deita pra dormir e acorda cansado. Mas a gente tem um trabalhão pra fingir que estamos bem, o interessante é que as pessoas acreditam. A fé torna as coisas possíveis, não fáceis. Naturalmente vem aquele drama todo sobre cobranças, mas, afinal, é assim com todo mundo. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Também não vou colocar a culpa de tudo na fibro. Vou deixando aqui o meu relato com uma boa notícia: dá pra levar. E esse post já tá longo. Continuo no próximo.